Cheguei em Brasília no dia 28 de abril de 1987, saindo de Floripa e deixando para trás um sem fim de emoções, sensações e descobertas vividas em cinco anos de intenso amadurecimento pessoal e profissional em Santa Catarina, descobrindo a diversidade de um estado onde a cada 50 ou 100 km de estrada você vivencia a realidade de culturas distintas dos tantos povos que o formaram.
Vou exemplificar: você sai de Itajaí (cultura portuguesa), dá uma passada em Brusque (poloneses), depois é um pulo até Blumenau (alemã), pode passar por Pomerode e almoçar em Ascurra (italiana).
Lembro que cheguei em Brasília em um voo da Varig e minha primeira parada foi no antigo Hotel das Nações. Tinha que ir para o Senado e do alto dos olhos desacostumados com as noções de distância da nova cidade, do parapeito da plataforma superior da rodoviária olhei e pensei: vou de a pé, porque é perto.
Foi meu primeiro batismo, porque era abril, não havia nuvens, empeçava o tempo da seca e o sol foi judiando ao longo de uma distância que parecia se alongar quanto mais eu caminhava. Logo descobri que Brasília não foi feita para pessoas que gostam de caminhar – imagina então o drama de quem nunca se sentiu atraído por dirigir?
Refeito da caminhada enfim vencida, logo me deparei com algo fantástico e que a Sandra Fernandes anos mais tarde sintetizou em versos naquela que eu considero a mais linda canção sobre e para Brasília quando ela diz:
“Aqui se fundem num só bloco
Churrasco, tacacá, acarajé.
Um frio seco – povo de povos
Mestiços monumentos de alma e fé”
E me deparei, em uma mesma conversa, com sotaques tão diversos, plurais e únicos – povo de povos, como a Sandra com rara sensibilidade escreveu e descreveu.
Para muito além dos falares, me dei conta de que teria obrigatoriamente decifrar a cidade e seus enigmas para poder devorá-la e, devorando-a, entender o estranho fascínio que ela exerce sobre quem chega: um misto de mistério e um aconchego diferente, porque obriga teus olhos a entenderem que o fato de que aparentemente todas as quadras são iguais, de que todos os prédios possuem o mesmo gabarito e todas as ruas simétricas e com um padrão de “mimético” e sem esquinas, é apenas uma armadilha.
Criado no campo, resgatei o senso de direção e de localização a partir de detalhes, de peculiaridades, de algumas cores ou placas – estas coisas que são capazes de criar um senso de localização que te possibilitam uma espécie de intimidade com o lugar. Descobri também a importância de apurar o olfato para distintos odores e o ouvido captando a pluralidade de vozes e jeitos de falar.
Depois de mais de 30 anos de convívio com separações pontuais e retornos, Brasília continua me fascinando por ensejar sempre novas e reiteradas descobertas.
Essa é uma das magias de Brasília: uma cidade aparentemente sempre igual, mas que é intensamente diferente – que nos surpreende e fascina, que nos provoca uma certa inquietação lúdica e que nos convoca para uma defesa não das tramoias e trambicagens que são praticadas por pessoas que o Brasil inteiro manda, pelo voto, para conspurcarem a imagem da cidade, mas para cerrar fileiras e mostrar que as pessoas que aqui vivem não merecem ser achincalhadas por aquilo que não fizeram e nem fazem.
Para mim, Brasília é muito mais do que uma cidade do poder, mas uma cidade da qual emana um poder feito do desafio de pessoas comuns e que nada sabem e pouco se importam com o submundo dos milhões reais que são desviados – mas que, ironicamente, são acusadas por um crime que não cometeram e sofrem a humilhação de serem estereotipadas por práticas que as vitimizam duas vezes: enquanto cidadãos que sofrem enquanto brasileiros e candangos que sofrem enquanto cidadãos.
Por isso, proponho uma reflexão simples: antes de falar mal de Brasília, lembre-se em quem você mandou para Brasília como deputado ou senador. Já pensou que, de repente, os eleitos por você podem estar entre aqueles que fazem a má fama da “nossa” capital e da minha cidade/estado?
Por ALFREDO BESSOW
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